[uma casa à noite. Ela e ele no quarto. Ela chorando. Ele preocupado. Ela quer ir embora e não tem coragem de falar. Ele não entende o que está acontecendo. Ele em pé. Ela sentada bem largada numa poltrona]
ELA – [fugindo do assunto] Não é nada.
ELE – [assustado, duvidando, e ainda com pena] Você consegue falar isso olhando nos meus olhos?
ELA – [agora olhando nos olhos dele, ainda chorando] Não é nada.
ELE – É mentira… O que foi? [ela volta a olhar pro chão] Fala comigo.
ELA – Eu não sei o que foi.
ELE – [assustado] Isso tem alguma coisa com o seu ex ter ligado?
ELA – [responde depressa] Não. Não tem. Bom… [não quer mentir] tem… [suavizando], mas não é assim… já era antes…
ELE – [mordendo o lábio] O que já era?
ELA – [confusa] Tudo isso… ai… eu não sei… não dá pra explicar… de repente tudo mudou…
ELE – O que mudou?
ELA – Tudo mudou. Você mudou. A gente mudou. Não era assim antes.
ELE – Mas o que é que tá errado?
ELA – A gente tá errado.
ELE – O que você quer dizer com isso?
ELA – Que não era assim antes. Que antes a gente falava. A gente se entendia. Você quase não tá mais aqui.
ELE – Eu trabalho…
ELA – Mas antes você trabalhava. De repente você mudou. Você liga menos pra mim.
ELE – Não é verdade. Eu to mais ocupado. Só isso… logo passa.
ELA – [desacreditada] Será que passa?
ELE – [positivista] Claro que passa. A gente já passou por isso antes.
ELA – [duvidando] Já?
ELE – É… logo depois que a gente se mudou pra cá. Lembra?
ELA – Não foi a mesma coisa. Agora é diferente. Naquela época você ainda me telefonava do trabalho e me dizia que me amava.
ELE – Você quer que eu te telefone mais?
ELA – Não é assim fácil… você me mandava flores sem motivo especial…
ELE – [meio bobo, querendo resolver o problema] Você quer que eu te mande flores?
ELA – Pára! Não é isso… eu não quero flores… eu quero você.
ELE – Eu sou seu.
ELA – Eu quero que você me ame.
ELE – Eu te amo.
ELA – Eu não acho.
ELE – Por que?
ELA – Porque não. Eu não acredito mais que você me ame. Você nunca tá do meu lado. Parece que você não me quer mais…
ELE – Não é verdade… eu só to mais ocupado…
ELA – Mas antes você dava um jeito…
ELE – Você tá exagerando. Você tá esquecendo do resto da vida. Você tá pedindo demais…
ELA – To? Você sempre soube que eu queria tudo. Eu sempre te disse. Todo o seu tempo. Todo o seu amor. Todo o seu carinho.
ELE – Você tem!
ELA – Não tenho não… não mais…
ELE – [magoado] Por que você pensa isso?
ELA – Você não me olha mais do mesmo jeito…
ELE – Como eu te olho, então?
ELA – [relembrando, encantada] Antes era como se fosse a primeira vez… toda vez era a primeira vez… toda vez você se apaixonava por mim. Toda vez eu me apaixonava por você. Você não pode dizer que ainda é assim, pode? [ele pára de olhar pra ela pensando] pode olhar nos meus olhos e me dizer que ainda é assim?
ELE – … [suspira olhando pros lados. Perdido. Não concorda com ela. Mas sabe que ela está certa. Não dá pra fugir.]
ELA – Tá vendo…
ELE – Mas eu ainda te amo. Eu sei que amo.
ELA – Mas não se apaixona mais. Eu não te encanto mais…
ELE – Claro que encanta. Você é tudo pra mim.
ELA – [desafiante] Sou?
ELE – Claro que é! O que você acha?
ELA – Eu acho que sei lá… que perdeu a graça…
ELE – [desamparado] Você não me ama mais?
ELA – [na defensiva] Eu não disse isso!
ELE – [triste] Você não me ama mais?
ELA – [voltando a chorar] Não é assim… tá tudo diferente… muito diferente…
ELE – [chorando também] Você não me ama mais?
ELA – [levantando da poltrona. Sem olhar mais pra ele. Quase num sussurro, confessando pra si mesma] eu sinto sua falta…
ELE – Responde. Você não me ama mais?
ELA – eu… [vários suspiros e tentativas de falar pra ele, sempre interrompidas por choro, soluços, respirações]
ELE – Fala… [devastado. Com medo da resposta] Você não me ama mais. Ama? [silêncio. Ele insiste, um pouco mais bravo] Ama? [então bastante irritado, gritando e chorando] Ama?
ELA – [gritando também] Eu não sei mais!
ELE – [inconformado, perdido, inseguro] Você não me ama.
ELA – Você tá diferente!
ELE – [ignorando a fala dela] Desde quando?
ELA – [desentendida] O quê?
ELE – [amargo] Desde quando você não me ama?
ELA – Eu não te disse que não te amo!
ELE – Não faz isso. Fala pra mim. Desde quando você não me ama?
ELA – [incapaz de falar] Eu…
ELE – Desde que ele ligou?
ELA – [disfarçando] Não…
ELE – Você voltou a ver ele?
ELA – Uma vez…
ELE – Quando?
ELA – Semana passada.
ELE – [magoado] Por que você não me disse?
ELA – [maldosa] Você tava trabalhando.
ELE – Quando foi?
ELA – [tentando desviar a atenção] Não lembro… [vira]
ELE – [ele a puxa pelo pulso. Fala com ele segurando a mão dela na altura do rosto dele encarando-a nervoso] Quando foi?
ELA – [tentando soltar as mãos, sofrendo] Sexta.
ELE – [apertando mais o pulso dela] Quando você falou que ia sair com sua mãe?
ELA – [ainda tentando soltar a mão] É.
ELE – [cada vez mais bravo. Sem soltá-la] Por que você mentiu?
ELA – Você ia pensar algo errado…
ELE – Ia pensar que você não gosta mais de mim! Isso não é errado!
ELA – [puxando o braço sem conseguir se soltar] Me solta.
ELE – [não a solta] Vocês falaram sobre o que?
ELA – Me solta.
ELE – [aumentando o tom] Sobre os bons tempos?
ELA – Me solta.
ELE – Sobre como sentem saudades?
ELA – Me solta.
ELE – E que não deviam ter se separado?
ELA – [gritando] Me solta!
ELE – [ignorando e nervoso] Vocês se beijaram?
ELA – [cansada] Me solta…
ELE – Vocês se beijaram?
ELA – [chorando. Caindo no chão] Me solta…
ELE – [gritando] Vocês se beijaram?
ELA – [olhando pra cima e gritando] Sim!
ELE – [joga o braço dela pra baixo. Anda pelos lados pensando no que dizer. Ela chorando no chão. Fala sem olhá-la, magoado] Foi aí que você percebeu que não me ama mais?
ELA – [parando de chorar] Não…
ELE – Quando então?
ELA – Antes. Você não me olha mais como antes…
ELE – Claro que não. Olha o que você fez. Você acha que merece que eu te olhe?
ELA – [resignada] Não…
ELE – [seco] Eu também não.
ELA – [silêncio. Ele olhando para a platéia, como se fosse pela janela, no canto do palco. Ela se levanta] Você é tudo pra mim.
ELE – Sou?
ELA – [chorando] É. [tomando coragem] E eu sou tudo pra você, não sou?
ELE – [ainda sem olhá-la] Era…
ELA – [silêncio] Fala comigo.
ELE – [balançando a cabeça em negação] Você mudou.
ELA – [olhando pra ele que está de costas ainda] Me perdoa?
ELE – [ainda sem olhar pra ela. chorando] Tudo mudou.
ELA – Mas isso passa… me perdoa…
ELE – Eu… [não consegue falar nada]
ELA – [olhos lacrimejando] Você não me ama mais?
ELE – Eu não sei…
ELA – [chorando] Você não me ama mais?
ELE – Eu não disse isso…
ELA – [desesperada] Você não me ama mais?
ELE – Não é isso…
ELA – [gritando] Você não me ama mais?
ELE – [tentando não chorar, mas sem conseguir] Não…
ELA – [soluçando] E agora?
ELE – E agora o que?
ELA – O que a gente faz?
ELE – Eu não sei…
ELA – [silêncio. Depois volta a falar chorando] O que a gente faz?
ELE – Eu vou embora.
ELA – Não! Fica!
ELE – Eu vou embora.
ELA – Não!
ELE – [chorando] Eu tenho que ir
ELA – [chorando] Fica!
ELE – [pega as chaves] Alguém vem buscar minhas coisas depois.
ELA – Não vai! Fica!
ELE – [olha uma última vez pra trás. Tenta se despedir, mas não consegue falar]
ELA – [num sussuro] Fica…
ELE – [negando com a cabeça. Olha pra platéia, pelo meio do palco, como se fosse a porta. Começa a avançar descendo do palco. Pára. Olha pra trás pra ela. Uma ultima lágrima. Sai de casa, caminhando]
ELA – [baixo] Fica! [gritando] Fica! Fica! [rouca] Fica! [chorando] Fica! [só mexendo os lábios] Fica…
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